Foi lançado
recentemente por iniciativa da Controladoria Geral da União – a CGU – um
concurso de redação dirigido a estudantes do Ensino Médio intitulado “Pequenas
Corrupções – Diga Não”.
A iniciativa, muito
oportuna em nosso contexto atual, visa levantar a questão sobre atos
corriqueiros, pequenos ilícitos do dia a dia que acabam também, segundo esta
visão, consistindo em atos de corrupção.
Estamos acostumados e
já mesmo cansados do noticiário sobre Mensalão, Petrolão, as investigações da
Operação Lava Jato, prisões de políticos e grandes empresários.
A corrupção tem sido
um tema constante do noticiário de forma inédita em nosso país.
Corrupção é sempre
uma via de mão dupla, existe o corrupto e o corruptor. Alguém, o corruptor,
toma a iniciativa de oferecer uma propina em troca de uma vantagem, mas é
necessário que alguém, o corrupto, aceite essa propina.
Nas investigações da
Operação Lava Jato com frequência não fica claro de quem foi a iniciativa, se
estamos diante de casos de extorsão ou de suborno, embora muitas vezes ambos
apenas se complementem.
A discussão fomentada
pela iniciativa da CGU tem o grande mérito de trazer o foco para nosso
cotidiano. Para transgressões frequentes que quase que se banalizam, que
aceitamos sem pensar muito.
Os estudantes do
ensino médio chamaram a atenção para a experiência deles: furar fila, comprar
CD pirata, sentar em lugar prioritário para necessidades especiais na condução,
receber ou dar troco errado. Será que isso caracteriza corrupção?
São atos desonestos,
a maioria deles sequer caracterizando um ilícito penal. Mas corrupção talvez
seja um termo muito forte. Não fica claro, por exemplo, a existência de um
corrupto e de um corruptor na maioria dessas transgressões. Mas, o que se quer
dizer é que uma regra, uma norma, um direito, foram efetivamente transgredidos
e que, com isso, abre-se caminho para que em outras oportunidades as
transgressões continuem, já tendo se caracterizado um hábito de não levar a
norma em conta, de não considerar isso importante.
Se nos pequenos
delitos podemos estar desrespeitando alguém e mesmo causando prejuízo, nos
grandes atos de corrupção causamos dano à empresa, ao país, ao consumidor em
benefício próprio, ou de um pequeno grupo.
No caso das pequenas
violações, acreditamos que podemos individualmente interpretar se a norma se
aplica ou não. Justifica-se comprar CD pirata porque CD é caro, posso aceitar
troco errado a meu favor porque o valor é pequeno, posso avançar o sinal porque
não está vindo nenhum outro veículo. Mas, quando se considera que sou eu que
decido pela aplicação da regra e se acho portanto que há circunstâncias em que
ela não se aplica, o caminho está aberto para transgressões maiores.
Não quer dizer que
isso vá ocorrer sempre, pois não somos um país de corruptos, mas de
trabalhadores honestos que lutam por manter seus empregos e suas famílias
muitas vezes com salários indignos e em condições difíceis de falta de
infraestrutura de saúde, segurança, transporte. Contudo, nada justifica o
desrespeito às normas e regras nos casos das “pequenas corrupções”, porque
desrespeito à norma não significa desrespeito a algo de abstrato, genérico, que
nem sei porque existe, mas sim desrespeito ao outro, às pessoas com quem
interagimos, convivemos, a nossos conterrâneos, concidadãos, colegas, a quem
não devemos prejudicar, até porque não queremos tampouco ser prejudicados e
essa é, em última análise, a marca do valor da norma.
Com frequência não
protestamos, não reclamamos porque achamos que não vale a pena, o valor é
pequeno, ou algo do gênero. E com frequência ouvimos que somos o país da
impunidade. Transgressões devem ser punidas, coibidas. A impunidade não pode
ser aceita. Daí a importância de vermos hoje em função das investigações da
Operação Lava Jato grandes empresários e políticos importantes presos, o que
raramente acontecia em nossa sociedade.
Mas, a verdadeira
mudança não é apenas consequência das punições, mas da mudança de hábitos, de
conduta, de cultura, do entendimento do papel das normas. Algo que se faz com a
valorização da educação. E é nesse sentido que aponta a iniciativa da CGU.
Danilo Filho, Doutor em Filosofia, professor,
Departamento de Filosofia, Coordenador do projeto ERA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário.