"...Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus..."
...Onde não existe justiça não pode haver direito...

quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Pequenas Corrupções – Diga Não





Foi lançado recentemente por iniciativa da Controladoria Geral da União – a CGU – um concurso de redação dirigido a estudantes do Ensino Médio intitulado “Pequenas Corrupções – Diga Não”.

A iniciativa, muito oportuna em nosso contexto atual, visa levantar a questão sobre atos corriqueiros, pequenos ilícitos do dia a dia que acabam também, segundo esta visão, consistindo em atos de corrupção.

Estamos acostumados e já mesmo cansados do noticiário sobre Mensalão, Petrolão, as investigações da Operação Lava Jato, prisões de políticos e grandes empresários.

A corrupção tem sido um tema constante do noticiário de forma inédita em nosso país.

Corrupção é sempre uma via de mão dupla, existe o corrupto e o corruptor. Alguém, o corruptor, toma a iniciativa de oferecer uma propina em troca de uma vantagem, mas é necessário que alguém, o corrupto, aceite essa propina.

Nas investigações da Operação Lava Jato com frequência não fica claro de quem foi a iniciativa, se estamos diante de casos de extorsão ou de suborno, embora muitas vezes ambos apenas se complementem.

A discussão fomentada pela iniciativa da CGU tem o grande mérito de trazer o foco para nosso cotidiano. Para transgressões frequentes que quase que se banalizam, que aceitamos sem pensar muito.

Os estudantes do ensino médio chamaram a atenção para a experiência deles: furar fila, comprar CD pirata, sentar em lugar prioritário para necessidades especiais na condução, receber ou dar troco errado. Será que isso caracteriza corrupção?

São atos desonestos, a maioria deles sequer caracterizando um ilícito penal. Mas corrupção talvez seja um termo muito forte. Não fica claro, por exemplo, a existência de um corrupto e de um corruptor na maioria dessas transgressões. Mas, o que se quer dizer é que uma regra, uma norma, um direito, foram efetivamente transgredidos e que, com isso, abre-se caminho para que em outras oportunidades as transgressões continuem, já tendo se caracterizado um hábito de não levar a norma em conta, de não considerar isso importante.

Se nos pequenos delitos podemos estar desrespeitando alguém e mesmo causando prejuízo, nos grandes atos de corrupção causamos dano à empresa, ao país, ao consumidor em benefício próprio, ou de um pequeno grupo.

No caso das pequenas violações, acreditamos que podemos individualmente interpretar se a norma se aplica ou não. Justifica-se comprar CD pirata porque CD é caro, posso aceitar troco errado a meu favor porque o valor é pequeno, posso avançar o sinal porque não está vindo nenhum outro veículo. Mas, quando se considera que sou eu que decido pela aplicação da regra e se acho portanto que há circunstâncias em que ela não se aplica, o caminho está aberto para transgressões maiores.

Não quer dizer que isso vá ocorrer sempre, pois não somos um país de corruptos, mas de trabalhadores honestos que lutam por manter seus empregos e suas famílias muitas vezes com salários indignos e em condições difíceis de falta de infraestrutura de saúde, segurança, transporte. Contudo, nada justifica o desrespeito às normas e regras nos casos das “pequenas corrupções”, porque desrespeito à norma não significa desrespeito a algo de abstrato, genérico, que nem sei porque existe, mas sim desrespeito ao outro, às pessoas com quem interagimos, convivemos, a nossos conterrâneos, concidadãos, colegas, a quem não devemos prejudicar, até porque não queremos tampouco ser prejudicados e essa é, em última análise, a marca do valor da norma.

Com frequência não protestamos, não reclamamos porque achamos que não vale a pena, o valor é pequeno, ou algo do gênero. E com frequência ouvimos que somos o país da impunidade. Transgressões devem ser punidas, coibidas. A impunidade não pode ser aceita. Daí a importância de vermos hoje em função das investigações da Operação Lava Jato grandes empresários e políticos importantes presos, o que raramente acontecia em nossa sociedade.

Mas, a verdadeira mudança não é apenas consequência das punições, mas da mudança de hábitos, de conduta, de cultura, do entendimento do papel das normas. Algo que se faz com a valorização da educação. E é nesse sentido que aponta a iniciativa da CGU.

Danilo Filho, Doutor em Filosofia, professor, Departamento de Filosofia, Coordenador do projeto ERA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Faça seu comentário.